Dedico estes versos
aos que não se conformam
com a sujeição humana
aos instintos
das feras
ora estilizados
na frieza das cifras
que insistem
em revelar-se
bom
ba
s
LITERADURA
Poesia brasileira - Pernambuco - 2003
CDU 869.0(81)-1
CDD B869.1
Ilustrações: - Jorge Lopes
- Sil (Ed. Mão de Veludo)
- Lua da aurora
- Avalanche
- O descobrimento
- Engels
- Desorientação ocidental
- DNA do ADN
- Papo de Carandiru
- As novelas
- Queimando o filme
- Vozes
- Movimento paredista
- Brasil X Argentina: o jogo
- Preço da guerra
- Natal
- Os ladrões
- Teórica mente
- Sobre viventes
- Voto de cabresto
- Estratégia
- Derrocada
- Cantoria de papel
- Feiticista
- Heráclito
- Profundo monetário
- As eleições
- Praça Maciel Pinheiro
- Érato
- Cadela autoridade
- Quilombo
- Europadrão
- Pobres das moscas
- O recital
- Fim de século
- Maior que X
- O Vate e a venda
- Matinal
- Reflexo
- Atos
- Criador mudo
- Livre pensar
- Normais bobeiras
- Poço da cruz
- Atitudes
- Literadura
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1. Prefácio para França
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LUA DA AURORA
A lua veio e desceu, ora minguante
Noite horizonte em dia de terça-feira
Cravou-se, adaga, no meu coração passista
Cegou-me a vista ante a luz do sol primeira
Não parecia a lua cheia ao fim da tarde
Trazendo festas sem saber das despedidas
Propondo brindes, entretida com sorrisos
Iluminados, nas conversas divertidas
Era mais lua ressentida com o Levante
Lua acuada, desprovida de fulgor
Despida ao dia, qual certeza de sofista
Desvaneceu-se e já não tem nenhum valor
AVALANCHE
Desempregados e passando fome
Estão chegando em levas do interior
Às praça, às praças
Vão para os barracos ferver a miséria
E ver na TV a sua própria dor
Vendida em dólares
Estão sós, temem à polícia
Descobrem a malícia, o trânsito, os sinais
Desabam dos morros para as minhas rimas
São as obras-primas dos neoliberais
O DESCOBRIMENTO
O mal
Quando nesta terra
Aportou com sua nau
Serviu-se de cachaça
E carne crua
Aniquilando
Nossa gente que sorria
E nua vivia
Crise existencial
Da mais cruel
Vinda de lugares frios
Como o gelo
Empunhando o corpo
Cheio de pelos
Com suas doenças
De além mar
Carregadas
Suas armas com pólvora
E com vírus
Destruíram com espirros
E com tiros
Os que não puderam dominar
Carregadas
Suas burras com o nosso ouro
Restaram as marcas de chicote
Em nosso couro
Nós que ficamos
Escravos neste lugar
ENGELS
Nas árvores, com medo das outras feras
Nos grupos, na sexual promiscuidade
Descobriu-se o humano, em priscas eras
E a sua inclinação para a civilidade
Do tímido riso, de clava e lança
Às gargalhadas, de arco e flecha
Enfrentou a noite com a clara dança
Do fogo produzido com atrito e mecha
Quando fundiu ferro não mais era selvagem
O respeitável bárbaro, tendo carne e leite
Povoou a Terra, dela fez pastagem
E encontrou na guerra prático deleite
Apoderou-se o homem da direção da casa
Degradou a mulher ao conjunto de escravos
A incluiu na riqueza que a si mesmo arrasa
E, ao invés de amor, deu-lhe cruzes, cravos
DESORIENTAÇÃO OCIDENTAL
Da Europa, a loura colonizadora
Temos a prática de ajuntar riquezas
A partir de um conhecimento pardo
Que contrapõe sabedoria com rezas
E isola espécies que sobrevivem ao pasto
Em meio às crendices logarítmicas
Multiplicamo-nos ao sexto bilhão
E atacamos com a antiga fome
As naturais fontes de produção
Sem reparar na devastação, seu rastro
Derrubar a mata, fabricar desertos
Dominar a técnica de empobrecer o mar
Ao invés de paz, enaltecer a guerra
Pra que alguns a lua possam visitar
DNA DO ADN
Ciência da fome
Tecnologia da exploração
Dinheiro virtual da Bolsa
Corrompendo a vida
Ai de ti hereditariedade
Genoma tomou teu lugar
E clonará ingleses
No mundo todo
Os americanos, então
Os chamarão Dolly
Com seus depósitos bancários
Feito cajados invisíveis
E serão pastores da Terra
Com os mesmos direitos
Que os sionistas
Pastoreiam os palestinos
PAPO DE CARANDIRU
Clima de tensão
Na casa de detenção
O matador emburrado
Agora falava aos berros
Implacáveis palavrões
Gritava
E passava por sua cabeça
A infância da violência
Quando seu pai
Desempregado
Deu para beber
Ninguém se entendia
Era só porrada
Para todo lado
Era só porrada
Não teve curso
De internet na FEBEM
Que desse jeito
Ao desgraçado
Formado em fome
Tinha a perspicácia
Dos urubus
Não a das pombas
Ouviu, então
Ao vivo e em cores
Na televisão
Que a rebelião
Continuava ordenada
E pacífica
Não teve dúvidas
E empurrou o estilete
No pescoço de um facínora
Pior do que ele
Porém mais fraco
AS NOVELAS
Lombrigas televisadas
Carcomeram cérebros
Vazando os odores
Das ideias sujas
Poder e sexo
A qualquer custo
Às gargalhadas
Acompanharam féretros
E fizeram horrores
De suas garatujas
Sexo, poder
E um sistema injusto
Tangeram manadas
Por caminhos tétricos
Infligiram amores
Quais filhos corujas
Poder e sexo
Previsto, sem susto
QUEIMANDO O FILME
O bairro, agora,
É reduto de vagabundo
Cachaceiro e maconhista
Que não têm o que fazer
Se já não têm o que comer
Igrejas lhes dão a pista
Para buscar o outro mundo
Pois já é chegada a hora
Enquanto isto
O sistema financeiro
Criou cinema de shopping
Promovendo a cultura
De seus lacaios
Em seus ensaios
A derradeira ruptura
Com o povo tuti-frutti
Que criou no mundo inteiro
VOZES
Azurras, orneas, ornejas, rebusnas,
Relinchas, zornas, zunes, zurras
E nada sabes de língua portuguesa,
Burro!
E o burro:
Pior é o passarinho
Que apita, assobia, canta,
Chalra, chichia, chalrea,
Chia, chilra, chilrea,
Chirrea, dobra, estribilha,
Galra, galrea, garre,
Garrula, gazea, gazila,
Gazilha, gorgea, graniza,
Grita, modula, palra,
Papia, pia, pipia,
Pipila, pipita, ralha,
Redobra, regorgea, soa,
Suspira, tralha, tine,
Tintina, tintine, tintla,
Tintila, trila, trine,
Ulula e vozea.
MOVIMENTO PAREDISTA
Com o bolso cheio de preocupações
E sem ter mais nada na cabeça
Enxerga o chefe num instante breve
Que em sendo dia de greve
Não passará pelos portões
E agora? Meu Deus, que aflição!
Ele precisa trabalhar
Que dor na gratificação
Que danem-se os companheiros
Que já não podem pagar suas contas
O juiz brandindo sua Vara
Tira-lhe os rubores da cara
Faz-lhe encarar quaisquer afrontas
Fixa o muro, olha a grade
E arremete-se sem brincadeira
Levando a expressão no rosto
De quem já sentiu o gosto
Do muro da Tamarineira
BRASIL X ARGENTINA, O JOGO
Hobin Hood às avessas
Flexibilizando as leis trabalhistas
E roubando dos pobres
Para dar aos ricos
Real, o peso do dólar
E o peso adora uma realeza
Com pesetas dolarizadas
Realizando a pobreza
A mídia, mesmo,
Só vende no Brasil
Excreção de americano
Porque picanha argentina
Não precisa de mídia
Uma pop deformação
De cafetão e cortesã
E o tabaréu em seu deslize
Pensa que é de AR-15
A sua bala de hortelã
PREÇO DA GUERRA
As crianças são levadas pela fome
Para nutrir os mísseis que caem do céu
Lançados por superpotências financeiras
Que pairam sobre a subnutrição tecnológica
E ciscam no lixo intelectual
Os esqueletos são pisados por soldados
Convencidos de melhor fazerem o bem
Que aprenderam a cada filha, a cada mãe
E esqueceram depois do primeiro estupro
Da consciência que individualmente têm
NATAL
Primeiro inventaram Deus
À sua imagem e semelhança
Criador da natureza
Identificado com o mais forte
O teatro da eternidade
Com papéis marcados
Proliferou-se
E inventaram Jesus
Pobre, de manjedoura
Identificado com o mais fraco
Batina de papel de seda na chuva
É cada moda!
OS LADRÕES
Alardeiam aos ventos os malfeitores
As benesses destes tempos de aflição
Agrupando gatunos e senadores
Produzindo os seus próprios reservistas
Conotando os bandidos de artistas
E à liberdade dando a pecha de prisão
Monstros que vão rindo sem ter rostos
Com as mãos afiadas e gazuas
Desdenhando do cérebro e da porta
Só instigam a mão humana que se corta
E espalham cadáveres pelas ruas
Ensinando do sangue a sede, o gosto
O apelo da ambição é veemente
Muitos são os que se entregam à cobiça
Sem conhecer do peito o mal que viça
Querem só saber de colher sem trabalhar
Esquecendo que o fruto é da semente
Resultado daquele que plantar
TEÓRICA MENTE
Em sendo mero aprendiz nesta vida
Não tenho a casca da verve a me cobrir
O vazio que não me serve de guarida
É que me faz motriz a resistir
O que conheço dos clássicos é ínfimo
E nada sei dos literatas de agora
Não tenho ácidos pés de versos íntimos
No máximo, cascos nas patas mundo afora
Aliterações e homofonias que careço
Que se cuidem quando caço noite ou dia
Revolvendo a prosa fria, em seu avesso
Trago no laço alguma chance de poesia
Em sendo mero aprendiz nesta vida
Não tenho a casca da verve a proteger
Mas quando o sangue ferve nas feridas
Só torno a ser feliz ao escrever
SOBRE VIVENTES
Jeová acabará Alá?
Alá acabará Jeová?
Acbá, Alá ou Jeová?
Sei lá...
O pouco com Deus
É muito
Do destino e do fortuito
O muito sem Deus
É nada
Ao alcance de uma granada
Feito o revés das cruzadas
Desenvolve-se a miséria
De toda a civilização
É guerra de americano
Esse inquisidor insano
Da santa globalização
VOTO DE CABRESTO
O povo é uma fera em zoológico
O que vê é através de uma grade
A comida lhe custa a liberdade
E impede o seu discernimento
Quando vê os ponteiros analógicos
Do relógio que lhe marca a vida
De um lado para outro, sem saída
Vê a hora e não vê o movimento
O círculo que lhe parece lógico
É a eterna espiral do seu presente
Se saudades do passado já não sente
Do futuro não ocupa o pensamento
O retrato de delírios antológicos
Se revela em resultado nos sufrágios
Segue o povo entre originais e plágios
Escolhendo sem saber o seu tormento
ESTRATÉGIA
A Previdência Social
Não paga contas de hospital
E faz moradas na Suíça
Em contas numeradas
Cogita-se, mesmo assim,
Acabar com a aposentadoria
Dos trabalhadores públicos
Transmitindo-lhes a herança
Da antiga pornocracia
Os empregados de interesse do Estado
Seriam poupados, é claro
E o dinheiro sangrado
Longe de ser repatriado
DERROCADA
Os neocolonizadores rasgarão
A boca de valores, como rasgam o bucho
Da pobreza inerme, para ter o luxo
Do excesso de conforto, o vício
Que lhes faz voltarem ao pó
De onde vieram e se lavaram
Na fossilizada lama dos ancestrais
Um petróleo à base dos demais mortais
Transformando tudo numa energia só
CANTORIA DE PAPEL
Tivesse eu a vontade
De rimar numa sextilha
Pegaria uma caneta
Faria dela uma milha
Sem saber de qual começo
Seria o fim desta trilha
Digo com a caneta
A extensão do meu braço
Tropeço da minha língua
Que se revela no traço
Sem das palavras fazer
Das cobras o meu abraço
Se faladas de improviso
Três rimas entre seis pés
As narrativas se animam
Ideias viram anéis
Os dedos viram viola
Nos tempos dos menestréis
Escritas em poucas estâncias
Tem mais valor o critério
A eficácia do encanto
É o que faz o mistério
Não adianta ao sisudo
Parecer-se com o sério
Assim, evito a peleja
Deixo a quem é cantador
Que sem qualquer embaraço
Rima com a rima que for
Fazendo dos versos brancos
Versos que mudam de cor
FEITICISTA
Um pai-de-santo hardcore
Filho de Xangô, toque de lira
Virado, virando um vira
Que aprendeu no Catimbau
Aos pulos de pernas bêbadas
Pelo exagero dos compassos
Agita os bonecos braços
De Olinda no carnaval
Estica-se todo em brinquedo
Nas mungangas de um louco
Come um pandeiro de coco
A marionete de cordéis
Baixando um santo palhaço
Entre as cantorias das serras
E as lamentações das guerras
Para o delírio dos fiéis
HERÁCLITO
(A função reguladora dos contrários)
A emergência brada
As ordens da rotina
Desde a explosão sideral
Em que fomos arremessados
Enquanto a consciência
Trancada em casa
Tem espasmos intelectuais
Sobre a cama de sono e sexo
PROFUNDO MONETÁRIO
A alta na taxa de juros
Aliada à ausência de crédito
Parece efeito de vodka
No mercado financeiro
Insiste-se na ideia exótica
De só utilizar dinheiro
Na bolsa de valor inédito
A eterna fábrica de furos
É como se o mundo inteiro
Passado o tempo sincrético
Fosse linda mansão nórdica
Cercada de horríveis monturos
AS ELEIÇÕES
Sórdidos leões da política
Capitalistas matreiros
E mercenários da informação
Desejam paz às suas vítimas
E que a carne dos companheiros
Continue servida sem ação
Finados os frutos das greves
Mantém o Poder sua farsa
E a maioria a votar
Jamais sabendo a quem serve
A imprensa, a cerca na praça
E a arma do militar
Morrem à míngua nas favelas
Enquanto a elite eterniza
Inigualável bacanal
Deixando às telenovelas
A educação que precisa
Esta ordem social
PRAÇA MACIEL PINHEIRO
Sujeira, pobre e cachaça
Retrato deste país
Único alento da raça
Zé Ramalho: Chão de Giz
Quando não chega um estrupício
Trazendo um som de comício
E canções de meretriz
Que não acha a menor graça
Diz o poeta à atriz
Naquelas luzes da praça
Nem mesmo no chafariz
Pois perdido está no vício
De beber na rua do Hospício
Onde ninguém é feliz
ÉRATO
Curvada ao falo
Fervilha a musa de pétreo poder
Alinhava, sorridente, o controle do saber
E faz em concreto sua bolha de sabão
Finas agulhas
Já não lhe espantam o calo
Nas costas equilibra pulhas
No colo, filhos da aflição
Neurônios a sair dos peitos
Freando Freuds
Impedindo a estes debiloides
Os seus efeitos
CADELA AUTORIDADE
O trabalho sujo da mídia
Este jeito de dizer a notícia
Dissimulando
Formando opinião
Vendendo às tulhas
Sofismas entrelaçados
De greves e trabalhadores
Favelados e traficantes
Os governos
Azeitados e alheados
Prontos para guerra
Quedam inertes
Na política
Do que não tem saída
Na espiritualidade
Que só promove os dogmas
Neoliberal
Só a fome
Uns de comida
Outros de segurança
Permanecendo como está
Há tanto tempo
Pois ninguém se rebela
Nem grita
A não ser
A bancada ruralista no Congresso
E as ovelhas da igreja Universal
QUILOMBO
Quisera folgar algum dia
Dar a carreira de Zumbi
Mata adentro, liberdade afora
Para formar novos Palmares
E reunir-me com meus pares
Sem conflitos sociais.
Voltar à guerra, jamais
Dar outra face ao saber
Emprenhar serras e barrigas
Com humanismo e poesia
Fazendo brotar resistência
Aos senhores e escravos
Que alimentam nos seus lares
As ditaduras militares
E os dispositivos legais
EUROPADRÃO
Um que arrancar suspiros possa
É só ter a perna grossa
Uma que a todos comande
É só ter a bunda grande
Agrados desde menino
É só ter cabelo fino
Ah, beleza!
Os olhos do conquistador
Sempre lhe puseram às mesas
Só não lhe deram um grande amor
Porque só amou com as presas
POBRES DAS MOSCAS
Vou recolher-me
Introspecto
Consciente
No amargo medo
Do diabetes
Dos outros
Em profusão e caos
Anularei
Doces anseios
Pueris
Em nome da razão
Para ficar tranqüilo
Ao matar
Seja o que for
Que me apareça
Serei assim
Como os demais
Nas mágoas
E na leviandade
De ser
Dono do mundo
E morrer
A qualquer hora
O RECITAL
Chega a poesia
Entre dois dedos de prosa
E traz consigo um tom de festa
Versos e significados
Orquestrando as atenções
Ao que se mostra em recital
Uma após outra
Surgem as crias dos poetas
Repletas
Umas malditas
Umas ecléticas
Outras loucas
Seguem despidas
Ou vestem cenas teatrais
Dando a vez da timidez ao ator
Esvaem-se no êxtase ou na dor
E recriando e revelando a natureza
Garimpam vida nos valores sociais
FIM DE SÉCULO
Refestelam-se vis querubins
Anjos, arcanjos e serafins
As lindas crianças
Sobre os restos imortais
De zumbis nauseabundos
Purificando justamente
O terceiro inferno
Com música e fogo
Depois das telas de arame
Dos campos de concentração
Bastam-lhes telas domésticas
De armazenamento eletrostático
Em tubos de raios catódicos
E um programa neoliberal
Conservando a qualquer custo
A desinformação geral
MAIOR QUE X
Matar
De gato para inseto
Sem comer
Ou de homem para homem
Para estabelecer
Privilégios
E achar normal
A velha ordem mundial
Que nega o amor
Ao próximo
Fazendo os diferentes
Humanos desiguais
O VATE E A VENDA
Futurista, romântico, burguês
Contemporâneo, moderno, rústico
Campesino, simbolista, imaginista
Lógico, agitador e anarquista
Não sei se vendedor ou se freguês
Oferece seus poemas pelas ruas
Como se fossem ostras e não cansa
Do lirismo que lhe faz faltar dinheiro
Mas que paga o amor do mundo inteiro
Com uns parcos trocados de esperança
Quebram-lhe os ossos das palavras
Em busca da ideia que sacia
Da carne que transforma-se em lavras
De pérolas que se formam com o trabalho
Que é o reinventar da poesia
MATINAL
Decerto o infinito azul já se fez presente
Recém-nascido o sol, a beber contente
A escura Láctea de estrelas pontilhadas
Da noite passada que já se faz morta
As borboletas já voam em introspectiva
De flor para flor qual meu pensamento
Que busca em vão os versos de um poema
Nos vastos mundos deste firmamento
Mas ai de mim, nenhuma palavra encontro
Junto às palavras todas deste meu momento
Que vive na música que me traz o vento
E morre na luz da porta ao meu confronto
REFLEXO
Pés e folhas
Sem destino
Cérebro alado
Em espiral
Voando à noite
Aos armistícios
Só ideias
No arsenal
Vagam raios
Paralelos
Entre pássaros
E cabelos
Ganham os olhos
Um chão de asas
Onde as palavras
Se desejam
Somos, pois
Sem gradeados
Caracóis
De adrenalina
Temos rostos
Espelhados
E vivemos da retina
ATOS
Evitar a fumaça
Que me encobre a face
E beber na taça
Do meu pensamento
Seguir sempre o rumo
Que meu peito traça
E medir com o prumo
O meu vão momento
Embeber medidas
Em louca utopia
E deslizar no tempo
De aventuras mil
Colher frases feitas
Feitas de alegria
Que profana o vento
Em desejo vil
Ladear campinas
Com orquestra infinda
E ouvir solene
Seu clamor real
Produzir meu som
Em tua pele fina
Pra que o corpo encene
Dança natural
CRIADOR MUDO
Nada do que eu fizesse agora
Soltaria o desejo na garganta
Desfaria a cerca que me prende
Cobriria esse céu que me consome
Fecharia o caminho dos meus olhos
Que insiste em ser de curvas, feito a vida
Cheiro as flores que nascem no meu mundo
Que escondem as donas desses cheiros
E de novo os meus olhos me acordam
Dando à luz uma nova madrugada
Que acende as praias no meu peito
E me leva a ser nu pela cidade
Ao andar no azul que estica os prédios
Eu me perco noutra curva, a de uma nuvem
Que me fez desviar o olhar para baixo
E relutando na queda imaginária
Eu deslizo no sonho que fabrico
E encontro a palavra que desejo
LIVRE PENSAR
Incubar nas veias
Pensamentos livres
E criar estrelas
Na noite da vida
Caminhar na corda
Em vertebrais colunas
E cair na rede
Tarde enternecida
Navegar em mares
De horizontes vagos
E provar das manhãs
Por sob os seus céus
Inventar desejos
Pras almas vadias
Ajustar aos outros
Os sonhos tão meus
NORMAIS BOBEIRAS
Corriqueiramente rir na rua
É preceito próprio da loucura
É efeito, morte da fissura
No conceito eleito do normal
Normal é tomar café com creme
Se espelhando na janela da TV
Ou morrer nos carinhos de um PM
De bobeira esperando por você
POÇO DA CRUZ
Rosinha
O velho açudão secou
E só sobrou muito espinho
Nos montes de terra em pó
Rosinha
O céu ta limpo, meu Deus
Nos paus não tem mais um ninho
Os filho tão que faz dó
Rosinha
O que foi que a gente fez?
Nos pastos não tem mais rês
Até sabiá calou
Mulher
Já nem pareces mulher
Com bicho, ou fome de bicho
Já parecemos, Rosinha
É pedra
É pau, é monte de osso
Dos frutos, somo caroços
Perdido no seco chão
E vida
Que vida é esta, Rosinha
Do quarto à sala, à cozinha
Da roça à vala da morte?
E morte
Que morte é esta que vem
Pra gente que nem vida tem
Nesse cercado de ausências
É duro
É duro e não tem saída
É penar na dura lida
Nossa servil inocência
ATITUDES
Sê fruto da calma
Serena fronte erguida
Sê vontade ausente
Canto ou dor do mundo
Nada em superfície
De um som que alimente
Sente a própria vida
O sonho mais profundo
Recorta as nuvens claras
Aos pensamentos fartos
E senta sempre à mesa
Com vinhos, sombras, velas
Desnuda a própria luz
Em camas, portas, quartos
Perde a chave ao vento
Voa pela janela
LITERADURA
Se ergo a mão que compõe
Toco as asas dos mistérios
Que me acendem o cérebro
E me apagam o corpo
Submerso na inconsciência
Com sede, percorro um mar
De pensamentos sob a lua
E espalho raízes de sonhos
Nos retalhos de liberdade
Que me agarro em vida
No restante, só encontro linhas
Que me dizem tudo
E não explicam nada
Nem o mito, nem rito, nem a sorte
Nem o tempo, nem a vida, nem a morte
OUTROS POEMAS
OUTROS POEMAS
PREFÁCIO PARA FRANÇA
(Prefácio do livro Cafuné, do poeta França)
Para uma capa dura, papelão
Para a militância, xerox
Paralelo de oito graus atravessando
Paradoxos no meridiano trinta e quatro
A cabeça, a mão, o cafuné
De veludo, pedra e paciência
A fazer-se literária produção
E findar-se recomeço em quatro atos
COMPRE REMÉDIO
O apelo ao consumo
O desemprego, o assalto
Droga de vida besta
Dólar, painel e planalto
O povo levando fumo
E os presídios em festa
Ricos somando aos ricos
Custo de vasta pobreza
Desenvolvimento humano
Traidores nos penicos
Um sorriso, assim, insano
Feras retalhando presas
GENÉRICO DE TRANSGÊNICO
Parece o trabalho de uma soda cáustica
A malha de proteção social deteriorando
Híbridos a repor a prática suástica
Sem nacionalidade, uma raça nova se formando
Nuvens cor de chumbo no céu da liberdade
Pólvora é pouco frente à fome humana
Arde nos olhos a vista da cidade
Crianças a bater nos vidros, implorando
Sem nenhum limite de vileza e gana
Propalam-se ventanias de fama e de riqueza
A malha de proteção social deteriorando
E a morte, foice em riste, a ceifar pobreza
ÉRICKSON LÚCIDO
(Ao poeta Érickson Luna)
Não precisei de sortilégios
Para beber com sacripantas
No Beco da Fome
A tísica dos cigarros
Foi que me supriu
Com seus pratos de anorexia
Ilesa entre os espinhos
E vendo a lama espelhar a lua
- os lunares espelhos de lama
A lucidez sorria, céptica
Para as dobradinhas e mocotós
Que passavam se requebrando
O TRÂNSITO
Impiedosa trilha do meu dia-a-dia
Em nada resulta querer chegar ligeiro
À derradeira milha de minha correria
Pois que um me insulta, outro diz arteiro
Que se for de ilha a minha fantasia
A multa continua, companheiro
IN DIVINO
(Ou do direito de ir e vir)
Daktilos de milongueiro
Trespassados de estapafúrdio
Arretam as rotas interpessoais
Do distanciar-se em planetas
Um fim em si mesmo
A perdição das parábolas
Eis que a predição do perigo
Faz dos mudos a moda
Retrancas e voleios repetem-se
Incapazes de salvar a humanidade
E os canibais iconoclastas
Batizam o sobrenatural ao seu redor
A arte, sim, redime o criador
Até quando estica a corda
Que lhe serve de gravata
No cadafalso dos memoriais
DEDO MÉDIO
Saíram os gringos da televisão
Chamando todo mundo de macaco
Mostrando o dedo médio para o mundo
Oferecendo a escravidão a quem for fraco
Dizendo-se o caminho da salvação
E que o conceito democrático é profundo
A liberdade de quem pode pagar multa
É esfregada no nariz de quem não pode
É o acadêmico, é o boi e é o bode
Espetado na racionalidade humana
Bem servido na ciência que resulta
Céus de pólvora e infernos de banana
ULTRAJE AO PODER
Deixar o álcool, risco fatal
Só comer galinha e peixe
Acreditar em outras vidas
Ver as placas de saídas
Os não te vás e os não me deixes
Conciliando o bem e o mal
Com vegetarianas implicações
Chega a velhice em carne e osso
E atira desejos ao poço
Das ausentes soluções
REFLEXÕES TECIDAS
(Ao poeta Djalma Jr.)
Por entre as multidões
Em que lanças passos
Das multifacetadas solidões
Espalhas, solidário, teus abraços
As razões que ardes
Na construção de tuas bases
Acompanham as galáxias nas tardes
E nas noites, o quasar em que te fazes
De alfa a ômega, tens imagens
O em si da criatura e o para si do criador
Antromorfizando as vantagens
Daqueles que se entregam ao amor
Respostas nas buscas angustiantes
Possibilidades de estar vivo mais além
Eis a verve que se mostra num rompante
Desejosa de que tudo esteja bem
Explicações acerca das palavras
Produzidas em esquivas narrativas
São sentimentos confinados a sete aldravas
Dor de tempo e dor de espaço nas partidas
Mudando de tempo, de lugar e de sentido
O modo amolece e molda o ser
O santo senta junto ao pervertido
E imagina o quanto podem parecer
Nisto, os espantos de indefinidos palcos
Flexionam a loucura e a lucidez
E a existência se expande em grandes saltos
Alternando a extroversão e a timidez
Recombinar liberdades e pessoas
Sem a prévia avaliação desse destino
Seja apenas uma tentação, das boas
Mas que torne o homem velho em deus menino
LAVOURA EXISTENCIAL
Sinto que o céu ou o inferno se constrói
Do mesmo modo de quem lavra uma roça
E faz sementes dos frutos que descaroça
No anonimato, que é a forja deste herói
Sujeito ao tempo e a tanta praga que destrói
Mas que o poder criador de sua mão
Com a experiência que lhe trouxe esta lição
Faz o trabalho de ser repassado ao filho
Quem plantar milho sempre há de colher milho
Quem plantar feijão há de só colher feijão
LIBERDADE DE QUEM
Tem a liberdade humana
O limite da vontade
Que é a primeira grade
Nesta relação tirana
De líder à moda romana
Dando-se ao luxo invasor
Ou o limite da dor
De quem faz a resistência
Por isto, pare a ciência
De alimentar o terror
Ações fundamentalistas
Afrontando a razão
Em qualquer situação
Reinam os capitalistas
Por meio de economistas
Justificam o horror
Crescimento, só se for
Da miséria e da demência
Por isto pare a ciência
De alimentar o terror
Convicções religiosas
São as sementes das guerras
O poder divide as terras
E as divindades perigosas
Armam-se de valiosas
Fortunas em seu favor
E os pobres não vêem a cor
Dos limites da decência
Por isto pare a ciência
De alimentar o terror
SÃO JOÃO
De Portugal veio o costume
Que virou São João na roça
Bandeirinhas e palhoças
Danças em torno do lume
Cada par que se arrume
Num forró de concertina
E a tradição ensina
Comer comida de milho
Esta noite tem mais brilho
É noite de festa junina
VÓRTEX
(Ao poeta Silvio Romero Monteiro Alves)
Aflito o coração, a alma e o pensamento
Teimam desbastar o córtex da verdade
Para transformar o cerne da inutilidade
Na mais sublime forma de alento
Uma poesia azul, sob um céu cinzento
Reminiscência de um tempo criança
Estrépito da consciência que avança
Existência a banhar-se em dialética
Sonhos formando remoinhos de estética
Para nutrir os furacões de esperança
Não tomarão dois banhos no mesmo rio
Nem o poeta, nem o verso que já fez
Nem Heráclito, com sua obscura sensatez
De amor em amor optaria pelo frio
Intacto o coração, torna-se sombrio
E quem não se fez allegro nem cantante
Que cantarole um allegretto de rompante
Para realizar qualquer boa fantasia
Maior tristeza é correr léguas da alegria
Por causa de certos fins no eterno instante
FUTEBOL
A vida trama a cada instante
Os dribles que dá na morte
São jogadas muito rápidas
Precisa-se de corpo forte
Mas, que de nada adianta
Tudo depende da sorte
FREVO INDOMADO
Estabanado, tropecei numa folia
Exagerado, dela nunca mais saí
A dor do samba aveludada de viola
Espanta a dor que é a hora de partir
Um passo em falso e o frevo recomeça
Faz a cabeça pensar com a ponta do pé
Pois a cadeira de balanço dos contidos
Não faz a morte caminhar de marcha à ré
Prossegue o corso e observo os corsários
Cheios de si e de nada tendo dó
Prefiro o riso de que é feito o meu festejo
E a companhia dos que não me deixam só
CONFLITO DE SÍSIFO
Sísifo deu de cara
Quando descia a ladeira
Com sua felicidade
Sorrindo toda faceira
Sísifo, dia sim
Sísifo, dia não
Achava que era seu fim
O início e a solução
Sísifo, dia destes
Acertou na loteria
Deixou de ser operário
Foi viver de boemia
Sísifo, dia sim
Sísifo, dia não
Seu inútil esforço é, enfim
Erguer bolhas de sabão
REUNIÃO NA ACADEMIA
A temática era patética
Ser ou não ser escritor
Puro profissionalismo
Chafurdando em realismo
O impulso criador
Um séqüito de matemáticos
Para medir a beleza
Equacionar a destreza
De ser alegre ou ter dor
Certas dúvidas pacíficas
São certezas naturais
Considerações à parte
Valor mesmo tem a arte
Lavra dos reles mortais
AS CRUZADAS
Os foguetes silvam pelos ares
Em seus ventres grávidos, a morte
Explosivos, bombas de toda a sorte
Semeando alhures todos os azares
Guardadas as bárbaras semelhanças
Superpredadores civilizados
De longe podem matar aliviados
Sem ouvir os gritos das crianças
Seres da mesma espécie humana
Espatifando a carne e os ossos
E pregando a velha paz romana
Lembram Daniel, estes destroços
Que hoje veria nos pés de barro do Colosso
A ruína sionista norte-americana
SONETO DA VELHICE
Decerto a certeza se desconcertaria
Ao deparar-se consigo no espelho
Nua em pelo, sob a forma de um velho
Em quem não há mais qualquer traço de alegria
Toda a sua autoridade científica
Traria à luz, neste instante tão bisonho
Uma dúvida deveras magnífica:
O que é realidade e o que é sonho?
O sono inocente da hora noturna
E o acordar de alguns dias da eternidade
Denotariam sua real fragilidade
Mas diante das marcas da humana existência
E da ilusão que não cabe em uma urna
A certeza, enfim, teria alguma pertinência
GOLIAS
Tropas matam militantes
O bom Davi ameaça o gigante
Com bombas atômicas
Um coquetel de fronteiras
Arame farpado e outros muros
Burca é coisa de atrasados
Dizem os invasores
Estabelecendo o seu mercado
Tem que vestir paletó
Senão morre
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